“Decepção”, o conto que Maria Cristina Ramos Lobo inscreveu no Concurso de Contos de Natal promovido pela AABiP (Associação de Amigos da Biblioteca Pública) e Ipê Editora de Ourinhos foi selecionado em segundo lugar. Cristina Lobo é carioca, publicitária formada pela Escola de Comunicação da UFRJ. Trabalhou nas áreas de Atendimento e Planejamento de agências de propaganda no Rio de Janeiro, cidade onde vive. A autora diz que, cansada de escrever apenas relatórios e planos de marketing, resolveu se aventurar na ficção, e quer experimentar todos os gêneros: crônicas, poemas, contos infantis e até um romance policial.
Leia abaixo o conto premiado:
DECEPÇÃO
– Mãe, será que o Papai Noel vai trazer tudo o que eu pedi? Fui um bom menino, não fui?
– Claro, filhão.
– Mãe, quanto tempo falta para o Natal?
– Uma semana.
– Pôxa. Uma semana é um tempo muito grande. É um tempão – falou abrindo os braços para demonstrar o tamanho daquela semana maior que todas as outras do ano.
Filho único, Guilherme tinha três para quatro anos e, como dizia a avó, era um azougue, muito esperto para a idade. Tanto que escreveu e enviou e-mail – cartinhas já eram – ao Papai Noel.
– Mãe, vamo no shopping?
– De novo, Gui. Já fomos ontem.
– Quero perguntar ao Papai Noel se ele já leu o meu e-mail. Se entendeu tudo direitinho.
– Tá bem, Gui. Vamos depois do almoço. Aproveito e compro o presente da vovó. Você me ajuda?
– A gente podia comprar um jogo para ela jogar comigo.
– Ah é, espertinho?
– Se bem que ela não sabe jogar direito. Sempre rouba. Ou dorme.
– Olha como fala da sua avó.
– Será que ela conheceu o Papai Noel quando ele era mais novo?
– Acho que não, querido. Ele já era velho quando sua avó era moça.
– Caramba, como ele é velho, heim mãe?
Assim transcorreu a longa semana dos preparativos para a noite de Natal. As comidas, bebidas, rabanadas, enfeites, embrulhos, presentes, árvores e presépios. Mas o menino só estava preocupado com uma coisa: a visita do bom velhinho.
Como no ano anterior, o pai se vestiu de Noel e, de saco cheio, entrou pela porta da cozinha.
– Ho, ho, ho! É aqui que mora o Guilherme que me enviou um emeiozinho?
– Sou eu, sou eu! – Guilherme gritava com o coração aos pulos.
E um a um, todos os presentes foram saindo do saco de cetim vermelho.
Enquanto os pacotes eram desembrulhados, o pai, suando mais que o peru na véspera da festa, foi saindo de fininho pela mesma porta da cozinha por onde havia entrado.
– Feliz Natal! Ho, ho, ho,,,
Na manhã de Natal, todos na maior ressaca, tomando café com panetone e a fim de ficar o feriado de pernas pro ar, foram surpreendidos com o pedido do menino:
– Vamo no shopping?
– Guilherme Augusto! – o pai falou em tom de repreensão e reprovação.
– Você não quer brincar com seus novos brinquedos? – perguntou a mãe, tentando dissuadi-lo – Não quer ir no play ver o que os outros meninos ganharam?
– Não. Preciso ir falar com o Papai Noel.
– O que você ainda quer falar?
– Bem... eu... eu esqueci de agradecer.
– Eu levo o Guilherme – falou a avó –preciso mesmo trocar meu presente. Sempre erram meu tamanho... Fica com seu marido e aproveita a tarde – piscou o olho para a filha.
Havia uma fila de crianças para tirar fotos com um Papai Noel já muito cansado. Guilherme não quis nem saber. Foi passando e dizendo:
– Não vou tirar foto, não. Só tenho que acertar uma coisa com ele.
Chegando no Papai Noel, deu um chute com toda a força na canela do coitado, que nada entendia. Puxou a manga da roupa vermelha já surrada, chegou bem perto da orelha esquerda e falou:
– Eu vi vocês dois se beijando na cozinha. Vê se fica longe da minha mãe, seu safado! Senão, falo com meu pai e ele vem aqui quebrar sua cara!
Virando-se para ir embora, entre triste e decepcionado, ainda tentou amenizar a situação.
– Se quiser, fica com a vovó que também é velhinha e não tem namorado.