Muito além do Ministério da Cultura

 

por Neusa Fleury

 

Quando fizemos os primeiros Festivais de Música em Ourinhos, no começo dos anos 2000, levamos muita bordoada.  Teve um vereador (ainda bem que não foi reeleito) que nos acusava de querer usar dinheiro público para fazer festa. O tempo mostrou que o evento na verdade foi uma proposta de incentivo à educação, que ofereceu chances para as pessoas assistirem bons espetáculos e movimentou a economia da cidade.

Lembrei-me dessa passagem nesses dias sombrios, quando o presidente Temer extinguiu o Ministério da Cultura. Alguns comentários mostram que muitos brasileiros ainda não entenderam para o que serve a pasta, e, pior ainda, por que é necessário o incentivo à cultura. O que é sofrido é ver que governantes também não.

Sobre o acesso à educação (que é bem fácil entender), os políticos se orgulham das estatísticas mostrando que as crianças estão frequentando escolas. Se aprendem e se tornam cidadãos participativos, se conseguem desenvolver suas potencialidades, isso parece não contar. Aliás, os políticos costumam ter diploma de curso superior, o que não impede o assassinato da língua portuguesa e dificuldades em elaborar um raciocínio coerente, como vemos todo dia pela TV. Se já tratam assim de forma superficial as atividades desenvolvidas pelas escolas, o que dirá entender para o que servem e qual a importância de manifestações artísticas como o teatro, a música, a dança, a literatura...

Quando uma pessoa é estimulada a criar, a expressar seus sentimentos dando forma através da arte, ela se diferencia, se reconhece com uma identidade participante e criadora de sua história e da sua comunidade. Em países desenvolvidos isso acontece dentro das escolas, que mantém orquestras com alunos, publicam livros e encenam peças teatrais. Eles podem não precisar de um Ministério da Cultura, mas estamos muito, muito longe disso, e talvez este seja o argumento mais consistente para justificar sua permanência e atuação como encarregado de fomentar, financiar e promover a circulação de iniciativas na área, suprindo uma lacuna que a educação brasileira não consegue preencher.

Uma das premissas de trabalho do Ministério da Cultura nos últimos anos foi de valorizar a diversidade cultural brasileira, dando protagonismo para a produção artística regional e de categorias praticamente extintas, como a cultura indígena. Somos um país enorme, com muitas diferenças, e elas se revelam na arte, que precisa ser protegida para não sucumbir na imitação grotesca e na mesmice dos modelos impostos pela mídia.

Constatei nos muitos anos trabalhando na área que as pessoas que tem contato com a arte valorizam e percebem sua importância. Quem participa de um grupo de teatro ou de canto coral acaba virando público fiel de espetáculos artísticos.  É que as pessoas costumam não gostar do que não conhecem. Porém, se as crianças não tiverem contato com as artes na escola (não me refiro às aulas de educação artística...) e não tiverem chances de acesso à cultura de outra maneira, veremos a formação de uma geração idiotizada, acostumada a só apreciar e repetir o que for politica e esteticamente imposto.

Acredito que pode não ser fácil compreender tudo isso, numa época em que os relacionamentos se automatizam, numa desumanização perigosa. Mas os políticos conseguem entender que a cultura gera empregos e renda, e movimenta fatia considerável do orçamento. Emprega muito mais trabalhadores do que a indústria automobilística ou a eletroeletrônica, por exemplo.

Quem não entende a importância dessas atividades talvez alie o prazer oferecido por uma manifestação artística a alguma coisa dispensável. Pessoas assim se tornam mais vulneráveis aos discursos intolerantes que pipocam em momentos de crise como o que passamos. Quando nossa existência não ultrapassa alguns limites - algo que um bom livro, uma música ou um espetáculo de teatro podem proporcionar - limitamos nossa percepção do mundo. Perde-se também a oportunidade de usufruir de alguns dos melhores momentos que a vida pode oferecer.