Harlem shake: Em busca de um sentido

Publicado no Jornal Novo Negocião em 15/03/2013

Acompanhei pelo facebook o “Harlem Shake” que aconteceu na Praça Mello Peixoto no dia 03. Confesso que não sabia o que era. O fenômeno foi divulgado somente pelas redes sociais, e  reuniu milhares de jovens numa manhã. Depois de uma rápida “googleada”, descobri que os ourinhenses imitavam outros jovens de diferentes partes do mundo, moradores de centros urbanos, que se juntam para dançar de uma maneira engraçada, escrachada ou com conotação sexual. Muitos usam máscaras, caixas de papelão ou capacetes escondendo o rosto. Esses encontros formaram pequenos filmes postados no youtube, e acabaram se transformando em uma febre na internet.  Impossível não rir do besteirol desses filminhos. Diferente do “harlem shake” ourinhense filmado na Praça, a maioria dos filmes é realizada em ambientes internos, em meio a muitos computadores e jovens com celulares, fotografando ou postando mensagens enquanto saracoteiam livremente.

Venho de uma geração em que jovens se reuniam em grupos grevistas, manifestações políticas ou outras reivindicações, e por isso esse “Harlem Shake” parece sem sentido. Afinal, o que eles querem dizer com isso? 

Até o final da década de 1960, vivíamos em uma sociedade muito mais homogênea, com papéis definidos de pai, mãe, professor, patrão, funcionário, homem e mulher. Parecia mais fácil criar filhos quando a criança entendia um olhar de reprovação dos pais e logo mudava o comportamento que não estava agradando, na certeza de que a autoridade era deles.  As mulheres em geral eram donas de casa, e a elas cabia o papel de cuidar dos filhos.  As compras eram marcadas numa caderneta na padaria, mercado ou açougue, e pagas no final do mês. A relação de confiança entre as pessoas era outra. Ir para a escola era sinal de prestígio e valor, e certeza de um bom emprego na vida adulta. As escolas ensinavam, e bem. A geração que teve oportunidade de estudar só até a 4ª. série possuía conhecimentos sólidos que qualificavam para o trabalho. Parecia mais fácil identificar o que era certo ou errado, feio ou bonito, normal ou anormal, já que os papéis sociais eram mais definidos.

Essa situação mudou radicalmente nos últimos 30 anos, com a contestação de valores familiares e sexuais, relações de trabalho e um absurdo consumismo e culto às aparências que atingem a todos nós. É nessa sociedade cheia de conflitos, onde a diversidade ainda luta por seu espaço, onde vivem os jovens do “Harlem Shake”. Como gostar da escola, quando o que é vivido ali não consegue atrair seu interesse, o professor não é mais uma autoridade, não aprendem nem acreditam que estudar garanta um futuro melhor? (Tenho amigos professores dedicados e preocupados com a situação, que contam as dificuldades que enfrentam, provocadas por alunos que vivem relações familiares em que predominam o abandono, a falta de disciplina, incentivo e respeito). Como ensinar para que acreditem na justiça, se as instituições estão todas corrompidas? Como fazer para que se interessem pela política quando a imagem dos políticos brasileiros é a pior possível? Como acreditar na importância do trabalho se os salários são baixos e tudo o que mais almejam é comprar muito e muito, virar artistas de TV ou jogadores de futebol? Sorte dos que vivem em uma família harmoniosa, porque o mais comum são pais ausentes, relações afetivas inconsistentes e contato com drogas desde muito cedo. Vivem uma infância cada vez mais curta, cercados por adultos que não tem consciência do seu papel.

Com esse cenário complexo, nossa juventude parece indiferente e despreparada para enfrentar tantas mudanças. Se apelos populares são esquecidos e escolhem um homofóbico/racista para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara e um Renan Calheiros para o senado, restam poucas esperanças. O negócio é juntar um grupo que queira rir muito, vestir fantasias, e ocupar a praça dançando numa manhã de domingo (e foi bonito de ver). Depois,  exibir a façanha na internet.

Neusa Fleury – Diretora da Biblioteca Municipal “Tristão de Athayde”

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